sábado, 13 de agosto de 2011

Introdução ao espírito da coisa

         O meu fascínio pelo Montemuro tem provavelmente a minha idade.
Recordo como se fosse hoje a excitação de ir de férias para a serra e a odisseia que era aquela verdadeira viagem no tempo.
De manhã saía de uma cidade no século XX, à noite chegava a uma aldeia no Montemuro, onde tudo era incrivelmente igual ao que eu lia nos livros de história sobre a Idade Média.
E como isso me fascinava!

Hoje, quarenta anos depois, muita coisa mudou no Montemuro. Mas não tudo!
O Estado Providência tirou da miséria e deu qualidade de vida a uma parte significativa das gentes da serra.
A qualidade de vida dos seus habitantes é hoje inquestionavelmente superior, em todos os aspectos.
Infelizmente o fosso cultural que sempre separou os serranos dos demais cidadãos é hoje maior que nunca e comparado com a média europeia é impressionante.
A pobreza monetária e cultural das gentes da serra transformou o Montemuro de hoje numa espécie de reserva indígena, completamente subsídio dependente, sem capacidade reivindicativa ou de qualquer outro tipo, onde os autóctones não passam de elementos meramente decorativos, frente a qualquer tipo de poder económico ou outro que tenha interesse em intervir na serra.

A Gralheira é de certeza uma aldeia de referência no Montemuro.
Este blogue olha com os meus olhos para ambos.
A minha expectativa em relação ao futuro é a de uma serra e uma aldeia cada vez mais perto da pobreza extrema e da ignorância absoluta. Mas este cenário não é exclusivo da Gralheira.
Este cenário, nitidamente de terceiro mundo, em que o único e legítimo anseio de qualquer jovem por uma vida decente, se resume em esperar pela maioridade para poder ir lavar pretos para a Suíça, é comum a todas as povoações serranas, independentemente do concelho a que pertençam.

Nos últimos anos assisti a uma degradação dos ecossistemas serranos como nunca antes tinha acontecido. Empresas com poder económico incontestável compraram praticamente toda a serra por tuta-e-meia, aproveitando o obscurantismo intelectual dos residentes e a cumplicidade miserável de uma espécie local, muito heterogenia de parasitas que desde sempre ocuparam os lugares de topo nos municípios que controlam o Montemuro, antigamente promovidos pela "Velha Senhora", actualmente promovidos por outros partidos.
Graças á abertura de dezenas de estradões que dão acesso aos parques eólicos, graças á faltas de educação ambiental (e de todo o tipo) da maioria dos residentes, graças á incapacidade e irreverencia dos responsáveis municipais e á incompetência e incapacidade crónicas da Direcção geral das Florestas, praticam-se no Montemuro de hoje crimes ambientais gravíssimos.

A caça clandestina é uma actividade comum na serra e praticada durante todo o ano (essencialmente por gente da Gralheira). Os envenenamentos, as armadinhas, os abates criminosos perpetrados por caçadores e não caçadores, na época de caça e fora dela, fazem parte do quotidiano serrano.
Este tipo de crimes levaram á extinção do Lobo, reduziram drasticamente ou extinguiram mesmo todas as outras espécies de mamíferos, fizeram desaparece a maioria das aves de rapina, quase extinguiram a víbora comum, reduziram a quase nada o número de trutas, acabaram com o que ainda restava das populações de bordalos e irão continuar até não haver mais nada para matar.
Será este o tema do blogue.